terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Ela não sabia afirmar quantas vezes se morre nesta vida, mas já podia dizer que são muitas. Estava na quarta, talvez quinta morte da sua existência e o que havia sobrado dessa vez eram pouquíssimos fragmentos da essência de um passado deveras imperfeito.


Ainda podia sentir o cheiro da terra úmida que outrora abrigou seu corpo junto às larvas e em companhia ao de tantas outras criaturas habitantes do subterrâneo. Mas agora o sol já cintilava sobre sua pele, reapresentado-lhe um pouco da vida, insinuando-lhe a presença do novo, que há muito conhecia.

Estava viva novamente. E novamente se pôs a prometer o diferente, as resoluções descumpridas do passado… Quantas mortes ainda teria que enfrentar até a concretude de sua verdadeira vocação? Não! No seu vocabulário o “fracasso” não era mais benquisto – ignorando ela, uma vez mais, que ele nada mais era do que a simples conseqüência do seu verdadeiro inimigo: o “medo”.

Já não podia mais haver espaço para o medo. Não por outro motivo que seu despertar foi de reconhecimento. De tudo o quanto no passado ficou, de tudo o quanto ainda deveria ser alcançado.

Levantou ainda trôpega, submersa nessas questões. Apanhou as roupas ao lado da cômoda, vestindo-as com certa dificuldade. O sol despontava pelas frestas da janela, acalorando a maciez do seu rosto, enchendo-lhe de ânimo. O vento soprava sorrateiro e indeciso, mas por momentos suficientes para conduzi-la ao mundo. A vida estava à sua espera.

A rua ainda se encontrava tímida no seu silêncio. Pouco a pouco as pessoas começavam a surgir e o ritmo frenético de qualquer grande capital despontava sobre seus ouvidos, cantando-lhe o cotidiano.

Adquirira uma consciência maior, mas continuava premente sua ânsia por se sentir encaixada dentro de qualquer contexto que lhe parecesse minimamente aprazível. Mas apesar de tantas mortes, conservava o espírito angustiante e, por via de conseqüência, carente.

Voltou a se perder pelas ruas, a reencontrar velhos amigos, agora vistos sob outra ótica. Voltou a amar sua família, nem tanto a sua morada (ainda não havia encontrado seu “canto” – fruto do incessante desencaixe). Voltou. E assim foi seguindo, por vezes na repetição do novo, por outras na reinvenção do antigo.

Voltou a buscar e, de muitas maneiras, a encontrar. Até que… Enfim, encontrou o seu refúgio, mergulhou no seu encontro, debulhou-se na realística da sua verdadeira existência.

Finalmente! Havia achado a si mesma! Finalmente, tinha colidido com o seu ser.

Jamais poderia imaginar a intensidade de tanto sentimento que lhe permeava. Nunca sentira tamanha felicidade, exacerbada completude. Era assim o estado de êxtase, afinal. Lágrimas percorriam sua face, deixando a marca da realização. Quanta alegria! Por fim sabia o que era viver, ao invés de simplesmente existir.

Foram muitos os nasceres do sol até se acostumar com a descoberta, até a descoberta deixar de sê-lo.

Como o tempo caminha! Só que, com o seu andar, passado o novo, retornam as perguntas acerca da legitimidade dos seus alcances.

Seria a plenitude dantes encontrada mais uma ilusão momentânea de uma mente inquieta e inconstante, desesperada pela calmaria da alma?

Diante dessas perguntas, antes que o tédio lhe invadisse a alma e a natural repetição do inevitável lhe interrompesse o ânimo, precisava voltar. Voltar a morrer. Morrer para escapar. Escapar para adormecer. Adormecer para renascer.

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