quarta-feira, 24 de junho de 2009

Aqui em casa já não pousa mais a Esperança. Nem a de alma, nem o inseto, como já dizia Clarice Lispector.

Coisa estranha esse lance de esperança. Ela vai chegando sorrateira e despercebida na tempestade da agonia para, quando, por fim, desabrochada, acalentar os corações agonizantes.

Ela mistura os ritmos numa dança inconstante. Por vezes frenética, outras valsante, é, de fato, o inquilino mais antigo da casa. Mas continua sempre a surpreender por suas partidas e, mais ainda, por suas chegadas.

A Esperança, quando desperta, o faz de um modo nada convencional, não sendo necessário aquele esticar de braços espreguiçadores que despejam o tapete vermelho para o fluir do dia.

A Esperança é a camarada mais esquisita. Transparece nos sorrisos, na gana, no simples caminhar. Porém reverbera com as brigas diálogos, monólogos, choros e saculejar.

Eis que nem o choro, nem a raiva, nem a briga estão mais presentes. Nem os risos, nem a admiração, nem o nada. A Esperança, tadinha, já não pousa mais nesta casa.

domingo, 14 de junho de 2009


Há cerca de três dias atrás assisti ao documentário "Garapa".

Três famílias cearenses cujo único sustento era o Bolsa Família, três mulheres como alicerceres da casa, três homens encostados, milhares de filhos a quem não foi concedido o benefício dos sonhos, três misérias com visões distintas e realidades congruentes.

Enfim, nada que não seja de conhecimento dos brasileiros, nada de novo, nada que pudesse, de fato, surpreender. Porém, nada que seja agradável e gostoso de se lembrar.

Estou chegando à conclusão de que a ignorância é sábia e a alienação talvez seja o verdadeiro caminho para o que entendemos por felicidade...

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Em continuaçao...

Pipoca, filminho e colchão; beijinhos, dormir de conchinha e violão; seresta, brincadeira de roda e fruta pao; o amor, o tempo e o chao; bichos, luar e sertao; praia, montanha e cançao.

Cantoria ao pé do ouvido, o cheiro da terra molhada, a chuva que cai de um céu limpo, o sorriso mais gostoso, o barulho do mar, o perfume das águas, a alegria de uma criança, o carinho que os cabelos fazem nas costas, a brisa murmurante, a dança das plantas, o afago de um cao, viver em outra frequência, admirar o pôr do sol, contemplar a lua...

A certeza dos verdadeiros amigos.

domingo, 7 de junho de 2009

As Peripécias do Incrível Hulk - Parte II



Pêlos dourados, orelhinhas dançantes, andar desengonçado e um rabo injenuamente ameaçador.

Como pode um ser tão despretensioso, de lambidas vorazes e afetuosas modificar o ambiente, curando os enfermos, espalhando desarvegonhadas , gargalhadas, carinhos e afagos? Eis que lhes apresento os cães, os anjinhos terrenos enviados a nós para resguardar a nossa saúde física e mental.

Hulk é um desses cães. Mais ainda, um desses anjos. Atrapalhado, degonso, excessivamente teimoso, feitinho sob encomenda para nós, seus donos humanos.

Reverenciador das águas que, como em mim, nele provocam uma sensação de leveza, paz e satisfaçao plena.

Apaixonado por brincadeiras, das mais simples às mais elaboradas, supera as crianças na arte de se divertir sozinho.

Parece que está sempre sorrindo, quando nao se poe com aqueles olhinhos marotos e contorcidos como quem diz: "ei estou aqui, e vocês todos estao aí apenas para me amar".

É, fitando suas peripércias estou segura de que ele realmenre sabe que é o dono do pedaço. Afinal, nada pode ser mais poderoso do que aquele que possui o dom de lhe filtrar de amor.

As Peripécias do Incrível Hulk - Parte I

segunda-feira, 1 de junho de 2009


As palavras continuam acorrentadas, agora pela fúria da TPM. Enquanto isso, um texto antigo, uma despedida, uma "boas vindas" para novas experiências degustativas...


A Obscenidade dos Alimentos

Dia 30/07/2006, num belo final de tarde de domingo, fui desfrutar com alguns amigos da consistência prazerosa ao paladar de duas magníficas bolinhas de sorvete.

Foi quando, entre lambuzadas no caminhar desconcertante dessa erótica degustação, um dos amigos comentou acerca da obscenidade no ato de comer. Acrescentou dizendo que se sentia encabulado de tomar um suco na frente dos outros, assim como encabulado estava naquele exato momento em que o sorvete era devorado com aparente parcimônia.

Segundo um dos dicionários da nossa língua portuguesa, obsceno é tudo aquilo que fere o pudor, que vai de encontro à moral. Penso que, no caso do ato de comer, a obscenidade se revela como uma mera conseqüência do erotismo intrínseco em cada alimento.

Sim, sim, há erotismo e sensualidade em demasia na comida e no processo de sua pré-ingestão. Imaginar-se em câmera lenta, mordiscando um suculento pêssego, sentindo o seu saboroso líquido escapar-lhe à boca e percorrer suavemente parte da face, pescoço, colo ou ombro, requer uma excessiva capacidade de auto-controle. Controle contra a chama suntuosa do fogo que desafia o nosso consciente na tentativa de disparar suas rajadas ao público e toda a platéia que nos circunda quando da degustação de tão inocente fruta.

Assim é que a apreciação de uma comida requer saliva, olhos fechados, meditação, paladar apurado, olfato a postos, mãos guerreira, aventureiras, conquistadoras e descobridoras. Ouvido à espreita, ansiedade comedida, respeito, culto, sincretismo e paixão. Mas, acima de tudo, muito tesão.

Salvador, 31 de Agosto de 2006.